sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Vi(s)agem

Abriu os olhos e deixou-se entrar no primeiro ônibus que viu pela frente, não se importava com o destino só queria estar longe. Ruas estranhas, casinhas cinzentas, gosto de vazio na boca. Entre a paisagem uma mulher sem rosto, com uma criança imóvel e amarela ao colo, cantava uma canção sem som e estendia algumas roupas no varal como quem derrama lágrimas no vácuo. Vontade de ser aquela mulher, pensou, a vida parecia-lhe menos triste ou se o era a mulher sem rosto não parecia ter consciência disso. Esse pensamento sai súbito de sua memória como súbito afasta-se o ônibus deixando aquela mulher para trás.
O trânsito pára e o mundo fica vermelho e da janela ela avista um sujeito que ao primeiro olhar parece-lhe asqueroso: roupa amarrotada, dentes quebrados e olhos absortos; seus pés apalpam o chão como quem procura proteção em território inimigo. Nas mãos sujas e gastas segura um papael onde se lê: SOU CEGO! Repentinamente um misto de dor e tristeza passam pelo corpo dela. O homem espera calmo, como se a vida parasse e trouxesse alguém que o conduzisse ao outro lado do mundo escuro e abstrato que ela não conseguia visualizar. Entretanto, expressões apressadas e introcêntricas passam sem enxergar o sujeito invisível. Invade dentro dela uma súbita vontade de sair daquele mundo móvel e conduzi-lo a um caminho seguro, mas como se nem ela sabia para qual lugar queria ir? Começa a se dar conta que os seus olhos também escuressem e confundem-se frente ao mundo; vontade de escrever numa placa verde: Sou cega, me ajude a passar pelo mundo sem esse gosto de vazio colorido na boca. Ela continuava a espreitar o sujeito cego e a se questionar qual cegueira é menor: A cegueira dos olhos ou a da alma? Rapidamente, lhe bate um desejo de desçer do ônibus, falar com ele, pedir ajuda aquele homem de dentes e olhos quebrados. Vontade de dizer-lhe: Moço, me ajude a enxergar pelo seu terceiro olho, é! Esse olho da alma! Me faz enxergar esse sujeito que se esconde dentro de mim, me faz entendê-lo, pois duelo com um desconhecido. Me responde porquê ele me tapa os olhos e me prende a boca e por qual motivo ele me faz sentir esse gosto vazio e vermelho!
Mas, o mundo não pára para ela, e deixa para trás a janela do cego que para ela agora torna-se tão sábio e visível. E então, o motorista grita: Fim de linha! E ela desçe rumo ao incompreensível.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Busca

Chuva
solar.
Vento
cerrado.
Luz
sem ar.
Rosto
errado.


Jamilly Barros de Freitas

Correntes

Meu lado
Translado
Mundo transfigurado
Teu braço
ancorado
no porto
errado.

Jamilly Barros de Freitas

Saída de emergência

Sentir
Sair...
Buscar a seta.
Correr
Fugir
Mirar a flecha

Lançar
Jogar
Palavras soltas.
Juntar
Somar
Oceano e gota.

Jamilly Barros de Freitas

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Penumbra

Tal como Platão busco:
No mundo das idéias a perfeição.
Como Penélope, teço a colcha da espera
E à noite a desfaço em confusão.

Vejo no Mito da Caverna
Olhos reluzentes do amor menino
Esbarro no obscuro das palavras
Com o manto diáfano do divino.

Anseio por um Ulisses modificado.
Que busca na idéia a metafísica exata
No amor a busca solta
E na junção a falta

Jamilly Barros de Freitas

Flor de Lótus

Estou farta das expressões monalísticas
Das videntes e suas obliquidades.
Cansada das multidões líquidas
E dos rostos vazios de verdades

Estou farta das ideologias falsas
Dos amores prolixos e redundantes
Do conjugação ilícita do verbo amar
Do esteriótipo desse mundo contaminante.

Falam de amor
Mas compactuam com a guerra
Buscam a paz
E cobrem indigentes na T/terra

Inventarei uma máquina do tempo
que me leve ao Paraíso
Buscarei rostos calvos
E mentes sem juízo

Jamilly Barros de Freitas

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007




Madrugada



Nada me importa, são 23:30 e só o que respiro é solidão. A cama ainda me faz ter medo. Medo de quando o ar era mais leve e as palavras mais doces. Sinto ainda que posso ver algo entre os lençóis; os mesmos lençóis que antes estavam enibriados de um perfume que hoje me é tão presente e distante. Parece que o quarto diminuiu agora. Ele não tem mais a amplitude que eu enxergava. Parecia que era maior que o mundo e, na verdade, era o meu mundo, onde eu podia ser iludidamente feliz. Por que os momentos oníricos são contemplados de itinerários indissolúveis? Por que os meus olhos estão impregnados de você?
Já são 23:45 e não paro de ter medo da cama. Agora passo a ver espectros do passado, começo a procurar resquícios seus em todas as partes, entretanto, só me deparo com expressões abstratas. Seu retrato não me é mais o mesmo. Seu rosto está estranho agora. Será que você existiu, ou foi um mero disturbío causado por uma pílula tomada na hora errada? Não sei... Mas, por favor, você do outro lado do retrato me faça esquecer o rosto que não encontro, o beijo que não mais sinto e o fantasma que ainda me persegue.

Jamilly Barros

domingo, 2 de dezembro de 2007

Supremo Sol


Distorcer a busca das coisas tortas
Buscar no furacão a porta.
Ver na agonia a salvação
E por nos olhos a máscara do vão.

Ver no outro o anjo torto
Buscar na lágrima algum conforto
Levar a vida com algumas tréguas
E buscar no amor a medida exata de uma régua.

Ver um amor morrer e não chorar
Ver o sol nascer e desejar viajar.
Encontrar no abismo algum poente
E buscar nos sonhos lacrados a frente
Alguma chance de encontrar o nascente.
Jamilly Barros de Freitas

Pôr-do-céu



O entardecer sempre entristece.
Me põe a pensar no esquecido
Nas pessoas correndo sobre a grama,
No vento batendo nos lençóis
E no esvanecido.

O sol que hoje já não brilha da mesma forma
E no amor que perdeu a fôrma.
No bolo de casamento
E nas juras dadas ao vento;
No casal de namorados no banco da praça
E no velhinho solitário deixando-se roer pela traça.


Lembro-me deveras de João
Com seu albúm de divórcio na mão.
Recordo-me bem desse homem à beira da ponte,
Olhando pro mar infinito do desespero.
Lembro-me da forma como colocou o suicídio nas costas,
Tomou um gole da água ardente da tragédia
E jogou-se no mar envolto dos mal-aventurados.

Jamilly Barros de Freitas

Procura



Vejo uma face no espelho
Que deveras não me pertence.
Busco olhares, expressões e bocas;
Procuro pares de palavras soltas.

A-M-OR

E-S-P-A-Ç-O

A-M-P-L-I-A-Ç-Ã-O


Eis que encontro algumas partes
Que fazem parte das minhas PARTES.
Encontro uma criatura solitária,
Vejo uma mulher que não se encara.
Deparo-me também com uma velha SENHORA
Com olhos pintados de dores marcadas.


Por fim, entendo
Que meu reflexo é complexo
E que sou de todas UMA dessas criaturas
Que buscam seu EU no outro lado do ESPELHO.

Jamilly Barros de Freitas